“Não acredito! Você veio até este paraíso e não vai mergulhar?” É, férias são mesmo assim. Repentinamente a gente se enche de uma energia que havia esvaído na rotina, e coisas inimagináveis viram diversão.
“Tenho medo! Vai que eu estou lá embaixo e não consigo voltar?” Mas, afinal, sou uma aventureira, como eu poderia sair desta ilha sem ter provado o prazer de mergulhar?
Visto a roupa justa de mergulhador com certa dificuldade. É mais complicado de subir pela perna do que aquela calça jeans de cantor de dupla sertaneja! Alguns pulinhos depois e estou eu toda envelopada no neoprene preto.
O instrutor ensina: caso entre água na sua máscara blá-blá-blá; caso entre água na sua boca blá-blá-blá; caso doa seu ouvido blá-blá-blá. Nada parece auspicioso no balanço um tanto abrupto daquele mar escandalosamente azul.
Então o barco atraca e é chegada a hora. Um cinto de muitos quilos na barriga, o cilindro pesado veste as minhas costas pouco largas e aqueles enormes pés de pato me deixam um tanto desengonçada. Os olhos apertados dentro da máscara e o nariz, incomodado, impedido de trabalhar.
Caio na água gostosa, meio de lado, troncha com tantos quilos a mais, e, após algumas pernadas, fico um tantinho mais segura.
Tchooooooooof, blu blu blu blu blu.
Tchooooooooof, blu blu blu blu blu.
Tchooooooooof, blu blu blu blu blu.
Assim soa a respiração pelo grande tudo preto enfiado na boca e rodeado pelo biquinho feito pelos meus lábios.
Iniciada a descida, vem um desconforto, e então um desespero. E se me faltar o ar? E se eu não conseguir voltar? E se for perigoso? E se for feio? Penso algumas vezes em pedir para subir, mas a curiosidade vem como um lastro e me impele para o fundo do oceano. Todos que chegam lá se maravilham! E não querem voltar! Ou melhor, e sempre querem voltar!
Respiro longamente, o que me tranquiliza, me encoraja, e sigo a descida. Um azul profundo envolve o meu corpo é uma calma indescritível me assola. Muitos peixinhos azuis nadam sossegados, uma arraia imóvel na areia nem se afeta com a minha aproximação.
Ali no canto da toca descansa um tubarão. Chego tão perto ao ponto de perceber suas guelras abrirem para respirar. Ele me olha de soslaio e não parece se incomodar com a minha presença. Sinto-me parte do oceano.
Peixes cabeçudos que de tão feios são lindos, outro barrigudos, pintados de marrom e branco. Pequenininhos num contraste escandalosamente lindo de amarelo e roxo movem-se em hordas. Alguns corais recolhem-se graciosos quando estalo o dedo próximo a eles.
A sensação de flutuar, o silêncio, a beleza mesmo no que parece esquisito: PAZ.
Assim é a vida, como o oceano! Lá fora ondas bravias e turbulentas agitam a superfície. Deixam uma aparência inquieta, muitas vezes furiosa. Momentos de calma arrebatados por ondas de agitação.
Mas quando se mergulha lá para dentro tudo fica quieto, calmo, seguro, tranquilo. Há beleza por todos os lados. Há beleza até nas ondas agitadas lá fora, quando vistas aqui de dentro.
Destemidos não são aqueles que não têm medo!
Destemidos são aqueles que enfrentam o seu medo e fazem o mergulho para dentro de si. Sabendo que é necessário encarar a violência das ondas externas, o balanço muitas vezes agressivo da insegurança, o desespero de mergulhar em si é saber que lá dentro há bichos feios, de aparência horrível. Que pode ser possível não voltar à superfície, que muitas vezes pode-se ficar agoniado com o desconhecido.
Destemidos são aqueles que enfrentam o medo de mergulhar profundamente em si.
E todos os destemidos são agraciados! Pois após vencerem a agitação externa, as inseguranças, os medos e as agonias, descobrem que no fundo de si tudo é belo, tudo é seguro, tudo está certo.
Os destemidos encontram em si a PAZ, e aprendem que para acessá-la basta respirar longa e calmamente e mergulhar!”

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